terça-feira, 6 de janeiro de 2015

As Boas Leituras do Castor

Hoje as Boas Leituras do Castor abrem as páginas do livro "Ajude-me a Chorar" do autor Carpinejar. 
Coragem da Chuva é a crónica que nos acompanha neste fim de tarde e, como já é habitual, nos deixa a reflectir em questões que maior parte das vezes passam despercebidas na correria do dia-a-dia. 
"Os opostos não se atraem. Os opostos disputam quem tem razão".



CORAGEM DA CHUVA

À véspera da tempestade de granizos, a minha família dividia-se em dois grupos: os que se protegiam da chuva e os que festejavam à chuva.
Mãe e irmãos ajudavam a fechar as venezianas, a desalojar as velas das gavetas, a lacrar as portas e escondiam-se na sala com pavor dos relâmpagos. Receavam o pior, o destelhamento com as pedras, a infiltração pelas paredes. Formavam uma brigada de prevenção.
Já eu e o meu pai dirigia-mo-nos para a varanda como se fôssemos passear. Sentava-mo-nos no banco de madeira, com o aguaceiro nos pés, a admirar a tempestade.
Leves, livres, convictos. Adorávamos os pinotes das folhas, as cambalhotas dos galhos, o pipocar dos blocos nas lajes.
A água maquilhava nosso rosto com uma fria camada de pó.
Havia uma cumplicidade com o céu violáceo, estranho, absurdamente surpreendente.
Apontávamos qual o raio mais bonito, o mais sonoro, o mais longo, o mais próximo.
Não tínhamos medo, mas ansiedade feliz pelo espectáculo nervoso da natureza. Era como um teatro vazio, só eu e ele, armados dos dois ingressos vendidos, para ouvir a orquestra das árvores deslizando seus violinos de vento e seus violoncelos de assombro.
Ríamos da nossa coragem, enquanto os familiares gritavam em desespero para que a gente entrasse logo, que parasse com aquela brincadeira estúpida.
Vocês são loucos!
E o meu pai respondia:
Sim, somos! Agora deixem-nos com nossa loucura.- E abraçava-me carinhosamente entre os seus ombros.
O meu pai recolhia uns blocos de gelo para colocar no seu copo de uísque e no meu de limonada. E brindávamos os sabores da vida adulta com os da infância.
No amor, é igual: há os que temem a chuva e os que se jogam para vê-la na sacada.
E não adianta ensinar alguém a amar a tormenta- ela deve estar no sangue.
E não adianta fazer quem gosta de participar das trovoadas recolher-se em casa.
Os opostos não se atraem. Os opostos disputam quem tem razão.
Não dará certo juntar aquele que é travado para o relacionamento com aquele que é intenso, aquele que pretende controlar os factos e o que pretende inventar os seus próprios factos.
A sua companhia irá para de repente, e você a puxará pela mão jurando que um dia tomará confiança e virá. Não virá, jamais virá.
Pode desejar carregá-la que ela se cansará da mesma forma. Pode querer explicar que não é necessário ter medo, que não acreditará.
Enquanto exclamar "venha dançar na chuva", ela trancar-se-á no quarto à espera que passe.
O meu pai explicou-me, lá na minha criancice, que temos de procurar a parceira certa.
Só dois passionais não cobram passos, estarão correndo e nenhum dos dois se sentirá desajustado.
Não se vão atropelar porque partilham a mesma velocidade da ventania, o mesmo gosto pelo imprevisto, o mesmo susto de ser.
Os relâmpagos iluminam os loucos.

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PÁGINAS: 160

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